Na manhã de 23 de abril, o Instituto Cultural Floresta (ICF) realizou no Teatro do Bourbon Country, em Porto Alegre, o seminário “Cidades contra a Violência”, que reuniu alguns dos principais especialistas em segurança do Brasil, e contou também com o americano Frank Leija. Confira abaixo algumas das ideias compartilhadas no evento, que também serviu para reforçar o apoio à lei de incentivo à segurança proposta pelo ICF.

 

José Beltrame, ex-secretário da Segurança do RJ, idealizador das UPPs

José Beltrame, ex-secretário da Segurança do RJ, idealizados das UPPs (Foto: Rômulo Gress/ICF)

“Segurança pública não é prioridade no Brasil, principalmente para o governo federal, que foge dessa atribuição como o diabo da cruz”, ressaltou Beltrame. “O Estado brasileiro perdeu a capacidade de atender a todas as necessidades. Sem segurança, não tem prosperidade. Sem segurança, não acontece nada. Sem segurança, o professor não vai tranquilo para a escola. O professor não pode chegar ao colégio, ou o colégio é usado para esconder armas.”

Beltrame ressalvou que polícia não é segurança, e sim uma parte dela. O delegado federal ponderou também que criminalidade não se vence, se mitiga. “Não há como ter solução total”, reforça. “Não vejo outra maneira senão priorizar. Um administrador público precisa ter foco. E dizer de forma transparente para a sociedade sua prioridade e que existe um plano, integrado, e não isolado, para resolver esse problema que chegou a um nível em que, para comer uma pizza ou ir à praia, tem de fazer ‘uma matriz SWOT’ (uma análise de riscos, como se fosse um gestor).”

O idealizador das UPPs elogiou a iniciativa liderada pelo Instituto Cultural Floresta: “Esse exemplo que vocês estão dando aqui é que vocês não estão dispostos a tolerar (o nível de violência).” Ele salientou a importância de a sociedade se envolver na busca de uma solução, pois o Estado fracassou e segurança pública não é barata. “Temos praticamente o papel no Brasil de um Estado infrator, porque não tem condições de cumprir a Constituição”.

Ele mencionou a aberração no caso do Rio de Janeiro, onde convivem dois Estados dentro da meia cidade. Na capital fluminense o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) é equipado de retroescavadeira, porque tem de remover barricadas erguidas por quadrilhas nos morros, “as fronteiras entre um país e outro”. A finalidade principal de uma UPP é ocupar esses territórios e devolvê-los para a população.

Cezar Schirmer, secretário estadual da Segurança

Cezar Schirmer, secretário da Segurança do RS (Foto: Rômulo Gress/ICF)

Para ilustrar o grau de gravidade do momento, o secretário estadual da Segurança, Cezar Schirmer, mostrou um levantamento alarmante das Nações Unidas: em 150 países juntos ocorreram menos homicídios do que no Brasil, no mesmo ano. Este nível de criminalidade impõe desafios especiais para o Rio Grande do Sul, o segundo estado com maior quilometragem de fronteira. “Há muitos municípios que não têm nenhum policial federal, nenhum policial rodoviário federal, nenhum agente da Receita”, observou Schirmer.

O secretário listou como questões a serem tratadas a ausência de ações de prevenção primária (“Ninguém começa no crime nos grandes delitos”), a morosidade da Justiça, a reduzida participação na ressocialização de apenados e a sociedade violenta e permissiva (“Em algumas cidades, o que mais toca no 190 é a violência doméstica”).

 

Diógenes Lucca, tenente-coronel veterano do Gate/SP

Diógenes Lucca, tenente-coronel veterano do Gate/SP (Foto: Rômulo Gress/ICF)

Tenente-coronel veterano o Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) da Polícia Militar/SP, Diógenes Lucca observou que a  Constituição completa 30 anos em outubro, e a regulamentação da divisão de tarefas dos entes federados na área de segurança ainda não ocorreu completamente. “Hoje temos uma estrutura cara e pouco eficiente, que não se comunica”, criticou. “Temos duas saídas: uma em outubro, quando temos chance de colocar representantes mais comprometidos com a questão da segurança. A outra saída é um entendimento da segunda parte do que diz a Constituição,  que a segurança é “uma responsabilidade de todos”, e é isso que o Instituto Cultural Floresta representa.”

Emerson Wendt, chefe da Polícia Civil/RS

Delegado Emerson Wendt, chefe de Polícia do RS (Foto: Rômulo Gress/ICF)

Chefe de Polícia na Polícia Civil do Rio Grande do Sul, Emerson Wendt citou estratégias de uso de tecnologia que ajudam a melhorar a atuação da polícia). Prevê que em três ou quatro meses esteja disponível para ser testado em projeto piloto o recurso de delegados formalizarem flagrantes por videoconferência, o que dará mais agilidade para a polícia. Destacou ainda os esforços em atacar a lavagem de dinheiro, que são o motor do crime organizado.

Gustavo Caleffi, consultor de segurança

Gustavo Caleffi, consultor de segurança (Foto: Rômulo Gress/ICF)

“Ou somamos esforços ou não chegamos a lugar nenhum”, ressaltou Gustavo Caleffi, especialista em Gestão de Riscos Estratégicos e Segurança e autor do livro Caos Social – A Violenta Realidade Brasileira. Apontou como gênese da violência a impunidade, lembrou o papel das famílias (“Educação não se terceiriza, ensino se terceiriza”) e os desafios do choque de cultura (o fim da lei de levar vantagem) e do compartilhamento de informações entre as forças policiais.

Marcos Rolim, presidente do Instituto Cidade Segura

Marcos Rolim, presidente do Instituto Cidade Segura (Foto: Rômulo Gress/ICF)

Marcos Rolim, jornalista, consultor em Segurança Pública e Direitos Humanos, presidente do Instituto Cidade Segura, questionou o modelo de polícia historicamente adotado pelo Brasil. Em sua opinião, rever o modelo herdado é um dos 10 desafios para a segurança pública:

1- Um ciclo completo para as polícias (prevenção, patrulhamento, investigação e repressão), sem separação em polícias Civil e Militar, por exemplo.

2 -Em cada polícia, uma carreira única (patrulheiros, investigadores e dirigentes)
“Em todas as carreiras do mundo há uma porta de entrada única”, defendeu. “No Brasil, há duas portas de entrada, a dos que podem mandar, e a dos que podem obedecer.”

3-Nova formação e recrutamento policial
“No recrutamento, polícias mais modernas colocam, em vez da altura e outros fatores físicos, valores como compaixão, senso de humor, atenção ao detalhe e responsabilidade ética.”

4-Áreas integradas de Segurança Pública nas cidades
“Faltam áreas regionais integradas.”

5-Policiamento com base em evidência
“Não podemos fazer policiamento com base em ideologia, é preciso pesquisa. Aquilo que funciona fazemos, o que não funciona abandonamos.”

6-Foco nos homicídios
“No Brasil os índices de esclarecimento de homicídios são baixos. Se o critério é julgamento, o Brasil esclarece 5% dos casos de homicídio. Isso significa impunidade.”

7-Reduzir estoque de armas ilegais

8- Execução penal modelo e apoio aos egressos
“No Rio Grande do Sul, manter um adolescente privado de liberdade custa R$ 12 mil por mês. Um estudante do Ensino Médio no Brasil custa R$ 2,8 mil por ano.”

“É preciso PPPs para construção de presídios, e bons presídios.”

9- Maior protagonismo dos Municípios
“Há um importante espaço para prevenção e para regulação de posturas com grande impacto na segurança pública.”

10- Reduzir evasão e aumentar escolarização
“Aumentar a escolarização faz enorme diferença em segurança pública.”

Nivaldo Cesar Restivo, comandante-geral da Polícia Militar/SP

Nivaldo Cesar Restivo, comandante-geral da Polícia Militar/SP (Foto: Rômulo Gress/ICF)

O comandante-geral da Polícia Militar paulista, coronel Nivaldo Cesar Restivo, observou que a PM supre deficiências em outras áreas, como saúde e educação principalmente. “Todo mundo que tem problema chama o 190.”

Mario Yukio Ikeda,  comandante-geral da Brigada Militar

Mario Yukio Ikeda, comandante-geral da Brigada Militar (Foto: Rômulo Gress/ICF)

Comandante-geral da Brigada Militar, Mario Yukio Ikeda lembrou o lema da Brigada Militar: “É a força da comunidade”. Ele comentou que a grande maioria das pessoas que os policiais militares estão prendendo já era para esta presa. “Há uma política de desencarceramento”, definiu.

Frank Leija, especialista em segurança pública (EUA)

Frank Leija, especialista em segurança pública/EUA (Foto: Rômulo Gress/ICF)

Tenente-coronel do Exército dos Estados Unidos, Francisco J. Leija, especialista em estratégia de combate aplicada à segurança pública, fez a palestra de encerramento do seminário. Como estudo de caso, lembrou a estratégia bem-sucedida na cidade de Nova York. Para o sucesso da operação que derrotou a criminalidade, três pilares foram a base: o poder de visão de futuro (a confiança de que havia saída), a valorização da polícia e o  envolvimento (a participação da sociedade no combate ao problema).

Ele enfatizou que uma eficiente política de segurança implica um policial bem equipado, com sua família amparada e com uma imagem de profissional valorizado em sua comunidade.